Classificação científica
Reino: Fungi
Filo: Ascomycota
Classe: Pezizomycetes
Ordem: Pezizales
Família: Discinaceae
Género: Gyromitra
Espécie: G.
esculenta
Nome binomial Gyromitra
esculenta
(Pers. ex Pers.) Fr.
Gyromitra esculenta é um fungo ascomicete do género
Gyromitra, com ampla distribuição na Europa e América do Norte. Ocorre
normalmente em solos arenosos sob árvores de coníferas durante a primavera e
início do verão.
O corpo frutífero, ou cogumelo, é um píleo com forma de
cérebro de cor castanha-escura que pode atingir os 15 cm de largura, suportado
por um estipe grosso com até 6 cm de altura.
Apesar de potencialmente fatal se ingerido cru, Gyromitra
esculenta é um petisco popular na Escandinávia, Europa de Leste, e na região
dos Grandes Lagos da América do Norte.
Apesar de popular em alguns distritos dos Pirenéus
orientais, a sua venda é proibida na Espanha. Pode ser vendido fresco na
Finlândia, mas tem de ser acompanhado de avisos e instruções sobre a sua
correta preparação. Na culinária da Finlândia é consumido em omeletes, sopas,
ou salteado.
Embora seja, em geral, parcialmente cozinhado antes de ser
preparado, evidências recentes sugerem que mesmo este procedimento pode não
tornar o cogumelo inteiramente seguro, criando assim alguma preocupação sobre
os riscos associados ao seu consumo mesmo quando preparado de modo correto.
Quando consumido, o agente ativo principal do fungo, a
giromitrina, é hidrolisada formando-se um composto tóxico chamado
monometilidrazina. Esta toxina afeta o fígado, sistema nervoso central, e por
vezes os rins.
Os sintomas de envenenamento incluem vómitos e diarreia
várias horas após a ingestão, seguidos de tonturas, letargia e cefaleia. Casos
graves podem levar ao delírio, coma e até à morte após cerca de 5-7 dias.
O fungo foi descrito pela primeira vez pelo micologista
Christiaan Hendrik Persoon, como Helvella esculenta, e recebeu o seu nome
binomial atual quando o micologista sueco Elias Magnus Fries o colocou no
género Gyromitra em 1849.
O nome do género é derivado dos termos em grego antigo
gyros/γυρος "redondo" e mitra/μιτρα "testeira". O seu
epíteto específico é derivado do latim esculentus, "comestível".
Nos países anglófonos é conhecido por uma variedade de nomes
descritivos comuns tais como cogumelo cérebro, fungo turbante, orelhas de
elefante, ou cogumelo bife, apesar desta última poder referir-se também ao
muito menos tóxico Fistulina hepatica.
Datando do século XIX, o termo alemão lorchel é um resultado
do termo mais antigo lorche, do baixo-alemão do século XVIII Lorken, alinhando
com o termo foneticamente (e graficamente) similar morchel (referente a
Morchella).
Gyromitra esculenta é membro de um grupo de fungos que se
assemelham aos muito apreciados Morchella. Este grupo inclui outras espécies do
género Gyromitra, como G. infula, G. caroliniana e G. gigas.
Enquanto algumas destas espécies contêm pouca ou nenhuma
giromitrina, muitos guias recomendam tratá-los a todos como venenosos, dado que
as suas aparências similares e grande variação intraespecífica podem tornar
difícil uma identificação confiável.
Os mais distantemente aparentados cogumelos ascomicetes do
género Verpa, como V. bohemica e V. conica, tal como os Gyromitra, são
consumidos por alguns, e considerados venenosos por outros.
O género Gyromitra foi durante muito tempo considerado parte
da família Helvellaceae, juntamente com o género Helvella. As análises do ADN
ribossómico de muitos dos membros de Pezizales mostraram que Gyromitra
esculenta e outros cogumelos de aspeto similar eram apenas distantemente
aparentados com os restantes membros de Helvellaceae e outrossim bastante
próximos do género Discina, formando um clado que também inclui Pseudorhizina,
Hydnotrya, e Gymnohydnotrya. Assim, os cinco géneros são agora incluídos na
família Discinaceae.
O chapéu de forma irregular, fazendo lembrar um cérebro,
pode ter até 10 cm de altura e 15 cm de largura. Inicialmente liso, torna-se
progressivamente mais enrugado à medida que cresce e envelhece. A cor do chapéu
pode ser de vários tons de castanho (avermelhado, purpurado, escuro, etc.).
Os espécimes oriundos da Califórnia podem ter chapéus mais
avermelhados.[6] Unido ao chapéu em vários pontos, o estipe tem 3 a 6 cm de
altura e 2 a 3 cm de largura.
O estipe de Gyromitra esculenta é sólido enquanto que os de
Morchella spp. são ocos. O odor pode ser agradável e tem sido descrito como
frutado, e o fungo tem sabor suave. A esporada é esbranquiçada, com esporos
transparentes que são elípticos e com 17–22 μm de comprimento.
G. esculenta assemelha-se às várias espécies de Morchella,
apesar de estas últimas serem mais simétricas e assemelharem-se mais a esponjas
de cor cinza, ou castanha. O seu chapéu é geralmente mais escuro e maior.
Gyromitra esculenta desenvolve-se em solos arenosos de
floresta temperada de coníferas [sobretudo debaixo de pinheiros (Pinus spp.)] e
ocasionalmente em bosques decíduos [por exemplo sob choupos (Populus spp.)].
O período de apanha estende-se de abril a julho, antes
daquele de outras espécies, e o fungo pode até surgir com o derretimento da
neve.
Pode ser abundante em algumas áreas e raro noutras. É mais
comumente encontrado em locais onde o solo foi perturbado, como em covas, zonas
desmatadas, zonas de escorrência, e bermas de estrada.
Há relatos de entusiastas finlandeses enterrarem papel de
jornal inoculado com o fungo no outono, regressando na primavera seguinte para
colher os cogumelos.
Apesar de ser mais abundante nos bosques coníferos montanos
e setentrionais como a Serra Nevada e a Cordilheira das Cascatas no noroeste da
América do Norte, Gyromitra esculenta é encontrado um pouco por todo o
continente, e para sul até ao México.
É também comum na Europa Central, menos abundante a leste, e
mais em áreas de montanha que em terras baixas. Está registada a sua ocorrência
na Irlanda do Norte, na província de Uşak na Turquia Ocidental, e na vizinhança
de Kaş na província de Antalya na costa sul da Turquia.
Reações tóxicas são conhecidas há pelo menos cem anos. Devido
à grande variedade dos efeitos observados, os peritos especulavam que a reação
era sobretudo alérgica e específica do consumidor, ou uma má identificação, e
não tanto consequência da toxicidade inata do fungo.
Algumas pessoas sofriam gravemente ou pereciam enquanto
outras não exibiam quaisquer sintomas após ingerirem quantidades semelhantes de
cogumelos do mesmo prato. Outras pessoas eram envenenadas após ingerirem
Gyromitra esculenta durante anos sem quaisquer efeitos nefastos. Contudo, o
fungo é agora amplamente reconhecido como potencialmente fatal.
Gyromitra esculenta contém quantidades do veneno giromitrina
que variam localmente entre as populações; apesar de estes fungos estarem
apenas raramente envolvidos em envenenamentos tanto na América do Norte como na
Europa Ocidental, as intoxicações são frequentes na Europa de Leste e
Escandinávia.
Um estudo polaco de 1971 relatava que nessa altura esta
espécie era responsável por até 23% das mortes por envenenamento com cogumelos
registadas todos os anos.
As taxas de mortalidade diminuíram desde meados do século
XX; na Suécia o envenenamento é comum, apesar de não terem sido relatados casos
de envenenamento grave ou mortes entre 1952 e 2002.
O envenenamento por Gyromitra é raro na Espanha, devido à
prática bastante disseminada de secar os cogumelos antes da preparação e
consumo, mas tem uma taxa de mortalidade próxima de 25%.
Estima-se que a dose letal de giromitrina seja entre 10–30
mg/kg para crianças e 20–50 mg/kg em adultos. Tais doses correspondem a cerca
de 0.2–0.6 kg e 0.4–1 kg de cogumelos frescos respectivamente.
Porém, as respostas individuais podem variar e pessoas que
ingerem quantidades semelhantes podem sofrer qualquer grau de intoxicação desde
mínimo a grave.
As evidências conhecidas sugerem que as crianças são
afetadas mais seriamente; não está claro se tal se deve a um quociente maior
entre o peso de cogumelos ingerido e o peso corporal ou a diferenças nas
atividades enzimática e metabólica.
Apesar de a quantidade de giromitrina presente poder ser
significativamente reduzida por escaldamento, existem evidências de que o
consumo repetido pode aumentar o risco de intoxicação.
As populações de Gyromitra esculenta parecem variar
geograficamente no que à sua toxicidade diz respeito. Um estudo francês mostrou
que cogumelos colhidos em altitudes mais elevadas têm concentrações menores de
toxina do que aqueles de elevações menores, e existem algumas evidências de que
os fungos a oeste das Montanhas Rochosas na América do Norte contêm menos
toxina do que aqueles a leste. Porém, foram relatados envenenamentos a oeste,
embora menos frequentemente que na Europa.
A identidade dos constituintes tóxicos eludiu os
investigadores até 1968, quando a acetaldeído N-metil-N-formilidrazona, mais
conhecida como giromitrina, foi isolada.
A giromitrina é um composto de hidrazina volátil solúvel em
água hidrolisado pelo corpo humano em monometilidrazina. Outros derivados de
N-metil-N-formilidrazona foram isolados nas pesquisas subsequentes, embora
estejam presentes em quantidades menores.
Estes outros compostos poderiam também produzir
monometilidrazina quando hidrolisados, embora permaneça por esclarecer quanto
cada um deles contribui para a toxicidade de Gyromitra esculenta.
As toxinas reagem com o piridoxal-5-fosfato - a forma
ativada da piridoxina - e formam uma hidrazona. Isto reduz a produção do
neurotransmissor ácido gama-aminobutírico (GABA) por via da diminuição da
atividade da descarboxilase do ácido glutâmico, produzindo os sintomas
neurológicos.
A monometilidrazina causa também tensão oxidante conduzindo
a metemoglobinemia. Adicionalmente, durante o metabolismo da monometilidrazina,
é produzida, N-metil-N-formilidrazina; esta sofre metabolismo oxidante regulado
pelo citocromo p450 o qual, por meio de intermediários reativos de nitrosamida,
conduz à formação dos radicais de metilo que levam à necrose do fígado.
A inibição da diamina oxidase (histaminase) aumenta os
níveis de histamina resultando em dores de cabeça, náuseas, vómitos e dor
abdominal.
Os sintomas de envenenamento são tipicamente
gastrointestinais e neurológicos. Os sintomas ocorrem 6 a 12 horas após a
ingestão, embora casos mais graves de envenenamento possam apresentar-se mais
cedo, como 2 horas após a ingestão.
Os sintomas iniciais são gastrointestinais, com aparecimento
súbito de náusea, vómito, e diarreia aquosa que pode ser sanguinolenta. Pode
ocorrer desidratação se o vómito e a diarreia forem severos.
Tonturas, letargia, vertigens, tremores, ataxia, nistagmo, e
dores de cabeça surgem pouco depois; frequentemente ocorre febre, uma
caraterística distintiva que não ocorre após envenenamento com outros tipos de
cogumelos.
Na maioria dos casos de envenenamento, os sintomas não
progridem para lá destes sintomas iniciais, e os pacientes recuperam-se após 2
a 6 dias de doença.
Em alguns casos pode existir uma fase assintomática a seguir
aos sintomas iniciais e que é seguida de sintomas de toxicidade mais
significativa incluindo danos renais, hepáticos, e disfunção neurológica
incluindo convulsões e coma.
Estes sinais desenvolvem-se geralmente em 1 a 3 dias nos
casos sérios. O paciente desenvolve icterícia e o fígado e baço aumentam de
tamanho, em alguns casos os níveis de glicemia aumentam (hiperglicemia) e em
seguida baixam (hipoglicemia) e é observada toxicidade hepática.
Adicionalmente, hemólise intravascular causa a destruição de
glóbulos vermelhos resultando num aumento da hemoglobina livre e hemoglobinúria
que pode conduzir a toxicidade renal ou falha renal.
A metemoglobinemia pode também ocorrer em alguns casos,
devido a níveis de metemoglobina no sangue mais altos do que o normal (a
metemoglobina é uma forma de hemoglobina que não pode transportar oxigénio).
Causa dificuldades respiratórias e cianose no paciente.
Casos de envenenamento grave podem progredir para uma fase
neurológica terminal, com delírio, fasciculações musculares e convulsões, e
midríase progredindo para o coma, colapso circulatório, e paragem respiratória.
A morte pode ocorrer cinco a sete dias após a ingestão.
O tratamento é sobretudo de suporte; a descontaminação
gástrica com carvão ativado pode ser benéfica se for procurada assistência
médica até algumas horas após a ingestão.
Contudo, muitas vezes os sintomas levam mais tempo a
desenvolver-se, e os pacientes geralmente não buscam tratamento até muitas
horas após a ingestão, limitando a sua eficácia.
Pacientes com vómito ou diarreia severos podem ser
reidratados com fluidos intravenosos. É feita a monitorização dos parâmetros
bioquímicos como nível de metemoglobina, eletrólitos, funções renal e hepática,
urinálise e hemograma, e quaisquer anomalias são corrigidas.
Pode ser utilizada diálise se a função renal estiver
diminuída ou se os rins estiverem a falhar. A ocorrência de hemólise pode
requerer uma transfusão de sangue para substituir os eritrócitos perdidos,
enquanto que a metemoglobinemia é tratada com azul de metileno intravenoso.
A piridoxina, também conhecida como vitamina B6, pode ser
usada para contrariar a inibição da monometilidrazina sobre o passo dependente
da piridoxina na síntese do neurotransmissor GABA. Assim, a síntese de GABA pode
continuar e os sintomas são aliviados.
No entanto, a piridoxina é útil apenas para os sintomas
neurológicos e não diminui a toxicidade hepática, administrando-se com a
dosagem de 25 mg/kg; pode ser repetidamente administrada até ser atingido o
máximo total de 15 a 30 g/dia se os sintomas não melhorarem.
São administradas benzodiazepinas para controlar as
convulsões; como elas modulam também os receptores de GABA elas podem
potencialmente aumentar o efeito da piridoxina.
Adicionalmente a monometilidrazina inibe a transformação
química do ácido fólico na sua forma ativa, o ácido folínico; esta situação
pode ser tratada com a administração de ácido folínico, entre 20 a 200 mg/dia.
Foi demonstrado que a monometilidrazina, os seus precursores
metilformilidrazina e giromitrina bem como Gyromitra esculenta cru, são
carcinogénicos em animais.
Embora não se tenha observado que Gyromitra esculenta causa
cancro em humanos, é possível que haja um risco carcinogénico para as pessoas
que ingerem estes cogumelos.
As toxinas podem ter efeitos cumulativos e mesmo pequenas
quantidades poderão ter um efeito carcinogénico. Foram isoladas a partir de
Gyromitra esculenta pelo menos onze hidrazinas, e não se sabe se os potenciais
carcinógenos podem ser completamente removidos pela escalda.
Apesar da sua reconhecida toxicidade, Gyromitra esculenta é
comercializado e consumido em vários países ou estados na Europa e América do
Norte.
Anteriormente era consumido na Alemanha, sobretudo cogumelos
colhidos e exportados pela Polónia; porém, mais recentemente, a Alemanha e a
Suíça desencorajaram o consumo ao proibirem a sua venda.
Também na Suécia a Autoridade Alimentar Nacional avisa que
não é próprio para consumo humano, e restringe a compra de cogumelos apenas aos
restaurantes. O cogumelo é ainda bastante apreciado e consumido na Bulgária,
onde é vendido em mercados e colhido para exportação.
Em alguns países como a Espanha, especialmente na região
oriental dos Pirenéus, este cogumelo é considerado uma especialidade, e muitas
pessoas afirmam que o consomem há anos sem efeitos nefastos.
Ainda assim, é listado como perigoso nas listas oficiais de
cogumelos publicadas pelo governo catalão e a venda ao público é proibida em
toda Espanha. A compra e venda destes cogumelos frescos é legal na Finlândia,
onde são muito apreciados.
Contudo, por lei, os cogumelos têm de ser acompanhados de um
aviso informando que são venenosos, e de instruções de preparação legalmente
prescritas. São também comercializados preparados e enlatados, caso em que
estão prontos para serem consumidos.
Os números oficiais do Ministério da Agricultura e Florestas
finlandês reportam que a quantidade destes cogumelos vendida em 2006 na
Finlândia foi 21,9 toneladas e 32,7 toneladas, considerada como acima da média,
em 2007.
Em 2002, a Autoridade de Segurança Alimentar da Finlândia
estimou que o consumo anual seja de várias centenas de toneladas em anos de
grande abundância. Fora da Europa, Gyromitra esculenta é consumido na região
dos Grandes Lagos e em alguns estados ocidentais dos Estados Unidos.
Na culinária da Finlândia podem ser cozinhados em omeletes,
ou ligeiramente salteados com manteiga, com adição de farinha e leite para
fazer um molho béchamel ou enchimento de tartes. Em alternativa, pode ser
adicionado mais líquido para obter uma sopa. Os condimentos tipicamente
adicionados são a salsa, o cebolinho, o aneto e a pimenta-preta.
Apesar da sua toxicidade, Gyromitra esculenta é bastante apreciado
em várias regiões. Foram descobertas estirpes com concentrações muito menores
de giromitrina, e o fungo foi já cultivado até à frutificação com sucesso. Existe,
portanto, objeto para pesquisas futuras sobre o cultivo de estirpes mais
seguras.
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